AS EXIGÊNCIAS ÉTICAS DO BATISMO
Na meditação do retiro anterior vimos os
frutos do batismo. Hoje vamos refletir sobre as exigências éticas do batismo.
Santo Agostinho dizia que a eficácia própria do batismo “começa pelo perdão de
todos os pecados, mas só terminará na ressurreição” (Aos neófitos, 1). Isso significa que o Batismo não é uma
experiência isolada e momentânea, mas ela se projeta para a vida toda do
batizado, inclusive na vida eterna. O batismo tem implicações éticas porque a ação
salvadora de Deus não é considerada
conclusiva enquanto não for dada a resposta do homem. Só então o sacramento
alcançará sua verdade plena. Falar de exigências éticas do Batismo significa
estabelecer as bases de sua espiritualidade. Viver segundo o batismo é um
começo de vida espiritual que, na vida religiosa é levada até as últimas
conseqüências pela vivência dos conselhos evangélicos.
1.
Conservar o Batismo
A primeira exigência do dom do Batismo é a de
não perdê-lo, mas conservá-lo
intacto. A irrepetibilidade (não reiterabilidade) deste sacramento é um motivo
a mais para insistir nisso.
As várias expressões usadas pelos santos
Padres vão neste sentido: guardar o
batismo, manter intacto o selo, conservar o perdão, a vida, a saúde, a
santidade, a brancura, o brilho e esplendor da veste batismal, manter limpo o
templo de Deus, não perder o Espírito recebido, perseverar na santidade,
conservar a inocência. O rito da veste branca se reveste de um grande
simbolismo: o rito pede de conservá-la intacta para o encontro final com Deus.
Os santos Padres indicam vários meios para garantir esta fidelidade: vigilância, oração, obras de misericórdia,
integridade, comemoração da data do batismo para manter viva a consciência
batismal, celebração da quaresma e particularmente da vigília pascal, aspersão
da água na liturgia dominical, sobretudo no tempo pascal.
2. O
combate do cristão
A participação Sacramental na morte e
ressurreição de Jesus significa para o batizado a vitória sobre satanás e a
libertação da escravidão do pecado. O homem que surgiu das águas batismais é
livre como o foram os hebreus que passaram pelas águas do Mar Vermelho. Para
ambos, aquele foi só o início: a libertação plena vem depois de muito
caminhar. Para o batizado, o combate
contra as forças do mal deve continuar ao longo da vida como expressão da
libertação iniciada no batismo.
São Gregório de Nissa afirma que, depois do
Batismo, o demônio reforça seus ataques, “Pois fica cheio de inveja ao ver a
beleza do homem novo que se encaminha para a cidade celestial da qual ele fora
expulso”. O ideal para o batizado é viver sem pecar: “Se fomos configurados com
a morte de Cristo, de agora em diante o pecado está absolutamente morto em nós”
(Nos dias das luzes), pois foi esta a
exortação de Jesus ao paralítico: “Não peques mais!” (Jo 5,14).
Partindo da perspectiva do Batismo como um
matrimônio espiritual entre Deus e a alma, o pecado do cristão reveste-se da
gravidade de um adultério (Orígenes, Homilia
sobre o Êxodo 8,5).
A conversão, requisito para a plena eficácia
do Batismo, é um processo continuo de mudança total de estilo de vida
(metánoia); deverá se despir do homem velho dia após dia, morrendo a cada dia
(1Cor 15,32): aquilo que aconteceu no Batismo uma vez por todas, deve continuar
acontecendo a cada dia e para isso contamos com a graça do Batismo que nos fez
co-participantes da vitória do ressuscitado. A vida sacramental, sobretudo a
Eucaristia e a Reconciliação (segundo
batismo, segunda tábua da salvação) servirão para ratificar e renovar este
efeito do Batismo.
3.
Viver em Cristo
Os dois textos de são Paulo sobre o Batismo,
como participação na morte ressurreição de Cristo (Rm 6,2-6 e Cl 2,9-15), são
seguidos por duas exposições do código de vida cristã = ética (Rm 8, 1-39; Cl
3,1-4,6): a configuração ontológica e objetiva com a morte-ressurreição de
Cristo deve ser consolidada, reforçada e enriquecida progressivamente pela
participação na vida sacramental da Igreja, sobretudo na Eucaristia e na
prática da caridade.
Aqueles que no Batismo foram revestidos de
Cristo (Rm 13,14; Gl 3,27) tem a obrigação de segui-lo e imitá-lo: o seguimento
de Cristo, a imitação de Cristo, é uma exigência do Batismo. Os Padres, que
distinguem entre imagem (eikon) e
semelhança (omoiosis) de Gn 1,26,
ensinam que o batizado é chamado a passar, mediante o combate espiritual, da imagem restaurada no batismo para uma semelhança cada vez maior (configuração,
conformação com Cristo).
4.
Viver segundo o Espírito
Batizados no Espírito, nós nos tornamos
templo do Espírito que passa a habitar em nós para animar e renovar nossa vida.
Daquele momento em diante a vida do cristão está sob a lei do Espírito que é a mesma presença
do Espírito em nós. Esta lei exige
que o batizado se deixe conduzir pelo Espírito ao Pai, e obriga-o a viver e operar segundo o Espírito (Gl
5,25), não deixando apagar, mas fazer que cresça sempre mais, a luz da fé que
recebeu no Batismo (rito da vela).
5.
Viver na Igreja
“Exorto-vos a levardes uma vida digna da
vocação que recebestes: com toda humildade e mansidão, e com paciência,
suportai-vos uns aos outros por amor, solícitos em guardar a unidade do
Espírito pelo vínculo da paz” (Ef 4,1-3). O Batismo nos fez membros da Igreja,
corpo de Cristo na história. Por isso, é dever de todo batizado, membro da
Igreja, manter viva a consciência de sua pertença à Igreja. A este propósito, o
Papa João Paulo II dizia: “Cada fiel tenha sempre viva a consciência de ser um
membro da Igreja, a quem foi confiada uma tarefa original, insubstituível e
indelegável, que ele deve levar a cabo para o bem de todos” (Exortação
apostólica Chrifideles Laici, 28).
Para “o bem de todos” é uma expressão que se encontra na 1ª Cor 12,7, a
propósito dos dons e carismas dentro da Igreja.
Assim como o nascer no Batismo como membro da
Igreja contribui para o seu crescimento, em toda a sua vida, o batizado deve
continuar sentindo-se obrigado a colaborar em sua edificação, colocando seus
carismas a serviço do crescimento da Igreja (Rm 12,4-8 e 1Cor 12,4-26), que São
Gregório Magno sintetiza na bela expressão: “Na santa Igreja cada um sustenta
os outros e é sustentado pelos outros” (Homilia
sobre Ezequiel 2,1,5).
6.
Comprometido na missão de Cristo e da Igreja
Em virtude do Batismo, o batizado tem o
direito e o dever de participar da missão de Cristo e da Igreja. Na origem
deste chamado está sua condição de membro de Cristo sacerdote, profeta e rei, e
da Igreja povo de sacerdotes, profetas e reis (1Pd 2, 9). Tal vocação se
constitui na identidade do cristão que se explicita no serviço apostólico, participando ativamente na evangelização, no serviço sacerdotal, colaborando
pessoalmente nas celebrações litúrgicas, no serviço da caridade,
comprometendo-se na luta por uma sociedade mais justa e fraterna.
7. A
lei do crescimento
Como primeiro sacramento da Iniciação, o
Batismo é o ponto de partida: tudo nele é germinal, necessitando de
desenvolvimento, crescimento, e expansão. É o começo de um caminho que exige
crescimento e ascensão constantes; é a implantação de uma semente que deve germinar,
crescer e dar frutos: é a vita
spiritualis janua, a porta -
entrada - da vida espiritual.
O Batismo introduz uma tensão na vida do
cristão, que o faz desejar uma possessão mais plena (perfeição) dos dons
recebidos. O ideal da vida cristã
consiste em ser em plenitude o que já se é pelo batismo: “Exorto-vos a
levardes uma vida digna da vocação que recebestes” (Ef 4,1). O batismo deve
encontrar seu prolongamento na vida. Aliás, a vida cristã consiste em
aprofundar sempre mais a graça do Batismo. A beleza da graça batismal admite e
exige crescimento e plenitude.
A fé não é uma realidade consumada: é um dom
de Deus, mas ele não dispensa a nossa resposta e a nossa generosa colaboração
(veja a parábola dos talentos). Por isso deve ter sinergia (harmônica conjunção) entre a ação de Deus e a do homem,
para evitar qualquer suspeita de magia nos sacramentos. Esta sinergia é assumida na vida religiosa
com a vivência dos conselhos evangélicos, dando-lhe uma dimensão profética.
8.
Batismo e tensão escatológica
No Espírito Santo somos marcados para o dia
da redenção (Ef 4,30): a dimensão escatológica é inerente ao Batismo. Somos
marcados para nos colocarmos a caminho do céu. O Batismo coloca a vida cristã,
desde o seu começo, numa tensão, ao situar sua meta e seu ideal no além. O
Batismo, que nos faz cidadãos do céu, deve nos fazer sentir saudade dos bens
que nos são reservados, convida-nos a viver com antecedência a vida de comunhão
com Deus e nos fazer realizar obras dignas desta vida futura. Teodoro de
Mopsuéstia lembra, a este propósito, que o batismo propõe um programa
impossível de ser realizado com as próprias forças; sua execução representa,
acima de tudo, um dom da graça que é preciso pedir a Deus na oração (Homilia XI, 14).
Pe. fr. Vicente Frisullo, OSST
Ministro conventual de São Paulo